quarta-feira, 3 de setembro de 2008

mais dias em branco

esse texto o ikeda escreveu na época em que o filme passou na mostra do filme livre. o texto fazia parte do catálogo.

“Eu ainda não me atrevo a ser alguém”
Dias em Branco, dos Irmãos Pretti

Selecionados por engano, Dias em Branco e O Primeiro Grito foram uma sessão-ilha dentro da Mostra do Filme Livre. Isolados no último dia do evento, disputando espaço com a premiação, foram solitários representantes do “alternativo dentro do alternativo”. Antípodas de Um Maluco em Copacabana, são trabalhos que indicam um cinema jovem na contramão dos cacoetes de um cinema alternativo. Propõem um trabalho austero de linguagem, de reavaliação das potencialidades da linguagem cinematográfica em expressar os sentimentos, expandindo os horizontes da narrativa clássica e examinando alternativas para seus personagens em crise. Com isso, dialogam com uma proposta contemporânea de dramaturgia, como os recentes filmes de Sofia Coppola e Vincent Gallo.

O Primeiro Grito é um filme de contenção. Logo após o longo plano-seqüência que abre o filme e que estabelece um mote, o curta estabelece um trabalho de contraposição entre os ambientes em expansão, que oferecem ao protagonista uma nova alternativa e a clausura de sua postura pessoal. Um “road movie” às avessas, filme de grande desterritorialização, de imersão aguda e ao mesmo tempo distante das motivações e dos sentimentos desse protagonista, o filme promove uma reavaliação do potencial do cinema em perseguir um íntimo, uma caminho interior. Seu deslocamento de si faz parte da proposta de provocar uma angústia: um não-estar lá.

Dias em Branco percorre o mesmo trajeto, mas faz um adendo metalinguístico: é sobre as angústias do artista em seu processo de criação. Processo esse que se confunde com sua vida rotineira, ou melhor, com uma vida não-vivida. Ou seja, um não-estar lá. Ao mesmo tempo, um humor atípico (autocrítico) e um desejo pela linguagem preenchem o filme, contrastando até com o rigor e a inércia de O Primeiro Grito. O humor naive, a tendência à autocrítica se misturam a um trabalho de grande afetividade, de um mergulho possível na intimidade partida desses jovens que buscam uma maneira de sobreviver. Com isso, busca-se um trabalho mais livre de expressão dos sentimentos, de compartilhamento de uma angústia, de uma reflexão sobre a possibilidade de uma alternativa e qual o papel do artista e do processo criativo diante disso. Diante de suas impossibilidades, a criação surge como desejo de expressão desse descompasso: um não-estar lá se confunde com um não-ser. A saída do absurdo da vida muitas vezes parece ser o cerne da criação artística: dizer o nada é uma forma de dizer, de expressar-se, de viver. A vida passa a ser um acúmulo de entremeios possíveis, um “tempo de espera possível”.
Dois filmes, em conjunto, que investigam novas possibilidades de expressão para o cinema, que se preocupam mais com as perguntas do que com as prontas respostas. Fora do gueto dos filmes-de-efeito, dos filmes-piada, ou dos cacoetes da dita produção alternativa, são mergulhos desiguais numa afetividade possível, reflexo de um deslocamento, de um tempo-espaço outro, trabalhos que prosseguem sendo incompreendidos, malditos, detestados, não-vistos. Quem não os viu nessa sessão da Mostra do Filme Livre provavelmente nunca mais os verá. Um cinema da solidão condenado a ser solitário.

Marcelo Ikeda

2 comentários:

Cinecasulófilo disse...

Honestamente eu não me lembrava desse texto (vc tem certeza que saiu no catálogo:::): uma porrada o primeiro parágrafo em que disse que os filmes foram "selecionados por engano". Não sei se as pessoas entenderam o que quis dizer. (Re)Vendo o Diário e o Dias em Branco, eu percebo que na verdade o caminho de vocês em direção ao humor já era de mais tempo que o Sabiaguaba, mas eu não me percebia claramente disso. Ou seja, não foi só Fortaleza, é um processo mais íntimo de construção. Abs,

Anônimo disse...

eu realmente não tenho certeza se o texto saiu no catálogo. eu presumi isso. é meio porrada mesmo o texto, pelo menos no início. pra mim é interessante ver como hoje em dia o texto me diz muito mais do que na época. pelo menos, eu o entendo bem mais.

eu também não tinha muita consciência de que já buscávamos o humor faz tanto tempo. mas pensando bem, me parece muito natural. isso é que é legal de rever os filmes. acho que vamos descobrir muitas coisas nesse processo.

abs.