quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Amador

Por Luiz Rosemberg Filho

“A paixão pela destruição é eminentemente construtiva”
Bakunin

Observar o conflito sem o submeter aos argumentos da razão que tudo tenta explicar. Aos irmãos Luiz e Ricardo Preti interessa trabalhar o silêncio, a dor, a solidão e o amor. E se tudo se torna difícil, o belo se transforma não no uso da injustiça no mundo, mas na riqueza de administrarmos um outro olhar além das definições globalizantes da razão. Aqui o “Ama-a-dor” é uma espécie de “animal” enjaulado na sua descrença das tantas e tantas simplificações muito convenientes à política dos Partidos, mas não às múltiplas demonstrações de vida da alma humana.

Ora, o que simboliza o gesto, ou os gestos que se indefinem nas imagens de um curta-metragem autoral? Numa análise imediata da percepção do outro, pouco importa uma só interpretação quando a representação passa pelo silêncio que também nada explica, e se permite banhar numa possível desarmonia poética. Em 1961, Ezra Pound disse: “não entrei em silêncio. O silêncio tomou conta de mim”. Ora, também o “Amador” passa seu tempo-real não se camuflando na realeza do saber, mas perdido criativamente entre sonhos e seus pensamentos. E embora pesado como idéia (pois nos obriga a pensar, no fundo), é extremamente leve como fragmentos de situações rotineiras. E no que não explica absolutamente nada, torna-se excessivamente próximo e humano. O “novo” ser contemporâneo substitui o não-fazer revolução alguma, para ser ou não a própria revolução. E longe da firmeza dos discursos, que pouco ou nada dizem, a incerteza de um tempo de linguagem.

Ali uma “nova” história que se repete. Ontem, foi a infância pacífica sobre grandes vôos. Talvez a casa seja a primeira jaula das nossas vidas. E, entre as grades, a vida que corre lá fora. Ontem se foi bolchevista, stalinista, comunista... Hoje uma recusa-pensada às restrições e reivindicações vazias de sentido. O sonho como revolta não se transformou numa plena emancipação do saber. Basta observar “filmes” como “Cidade de Deus”, “Diário de Motocicleta”, “Irma Vap”, “Cazuza” etc. E, abandonados na tragédia do mercado, nada mais se justificou. Ora, justificar o quê se tudo se repete sem importância alguma? Presente, passado e futuro do nada. Que está fora e está dentro de cada um.

O “Amador” tenta entender as suas raízes num filme italiano na TV. A legitimação está na história que já vai longe. A sensualidade jovem cedeu a queixa sobre a estagnação do tempo. Ora, como entender a não-dança das idéias? Ah, a razão perdida! Atenção ao não-movimento interno. Quem fala é a TV. Não o personagem mudo e atento. A saída da retratação-simbólica passa pela mesa envolvida pelo silêncio. Um copo, um prato, uma faca, uma garrafa de vinho, uma cesta de frutas e uma reprodução de Cèzanne das frutas na parede de fundo. Aproximações e diferenças da TV para Cèzanne, passando por Baco. Nem mágoa, nem crueldade – apenas o tempo que leva o personagem para a escuridão que se prolonga como linguagem. A tela escura como expressão do seu cotidiano.

Chega-se então ao jornal. A uma história sem subjetividades. Ora, para que servem os jornais? Para uma apropriação indevida do tempo dos outros, pois nunca informam nada. Formam políticos, marginais e prostitutas. Ou seja, já nasce capenga como referência. E vendem o quê? O nada. Sentado olhando para a sua jaula, o personagem do “Amador” nada vê. Entre móveis e o espaço da jaula-casa, o vazio. É assim. Foi sempre assim. Então a janela. Lá fora o mal-estar da cidade moderna. Um adeus com o jovem personagem dizendo: “Eu te amo”. De costas para o quadro, mas diante de um instrumento musical, procura notas de uma melodia que lembra Satie.

Sentado à mesa no fundo do corredor, o personagem pensa e, mais próximo, volta a repetir no telefone o “Eu te amo”. Amor distante e obscuro. O outsider substancia a sua exclusão da vida que ocorre na cidade. A cidade adequadamente adaptada ao senso comum: prédios, carros e pessoas que passam de um lado para o outro. Uma servidão voluntária à repetição. Mas se o dia passa no vazio da nação, a noite repete as reviravoltas do nada onde o caráter de diversões apenas repete o culto da ideologia dominante do espetáculo para todos. Ou seja, o tempo como substância e justificativa do vazio. E assim chegamos à personagem do “Amador”, andando de um lado para o outro, tentando escrever alguma coisa que não será lida ou vista.

Por fim, a flauta quase que como lamento convulsivo, numa experiência maior do mundo. Talvez uma transposição do que estava sendo escrito anteriormente. Talvez um rompimento com o silêncio obrigatório. Talvez uma ruptura com a passividade, visto que a boa música se desfaz na intimidade, no âmbito da mercadoria. A sua força é mágica e passa por outros registros. E tocada por um “Ama-a-dor” torna-se uma aprendizagem de abstrações e percepções, sem tradução possível. Ou seja, ao não identificar nada que possa ser usado pelos baixos interesses do capital, o “Amador” torna-se mais humano, mais profundo e mais confiável como uma doce manifestação amorosa para o Cinema. Cinema-reconhecimento. Cinema-subjetivo. Cinema-sonho, Cinema-vida. Cinema-cinema.... Parabéns aos realizadores.

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